O grupo ColetivA Ocupação apresentou três dias de espetáculo em Paris no Festival Panorama Pantin

Uma ventania urgente de vitalidade e juventude, uma experiência decolonial, foi assim a brilhante e intensa passagem do grupo Coletiva Ocupação no Panorama Pantin 2020. As apresentações do espetáculo ‘Quando Quebra Queima’ romperam inúmeras barreiras, inclusive porque a cia. propôs desde o início que o público esteja em cena. A proposta de sair para a rua faz parte da concepção do espetáculo e vai acontecendo de maneira orgânica. “A gente vai desenhando essa trajetória em cena: Quando (nós ocupamos as escolas) Quebra (O que aconteceu depois disso) e Queima (quando o público experiência nossa experiência), e essa transição espacial faz parte desse caminho que desenhamos, é uma consequência. Porque a gente desenha toda uma trajetória de uma rebelião, de um encontro, de uma transformação. E esse deslocamento acaba sendo a consequência. A história que a gente conta é parte de uma experiência que aconteceu nas ruas. A gente transforma o espaço cênico, tradicional, neste caso foi o Centre National de la Danse, ele se transformou numa ocupação, conta Lilith Cristina, de 20 anos, performance e atriz do grupo, que é residente na Casa do Povo no Bom Retiro, em São Paulo. 

Fruto das manifestações durante o movimento secundarista e das ocupações de escolas públicas em São Paulo em 2015/2016, a cia. traz consigo a essência da luta corpo a corpo, e mostrou, durante o Festival Panorama Pantin 2020, que é naturalmente capaz de conectar os espectadores com a luta pela liberdade. Para isto, estão mergulhados numa pesquisa constante e profundamente séria, sobre possibilidades de novas narrativas, onde este jovem teria autonomia para escolher o seu destino. Apoiados na dança e na poesia, são capazes de criar uma linguagem nova para tocar o público profundamente. “Sair do teatro e ir para rua funciona organicamente, pois já vamos deslocando o público, preparando para este momento do levante. O espetáculo teve sua dramaturgia criada coletivamente, a partir das vivências e memórias dos performers-estudantes, que escreveram cenas a partir dos registros de seus diários, músicas, coreografias e fotografias”, conta Lilith, enfatizando que a luta do movimento secundarista surge exigindo educação pública de qualidade e acaba se tornando uma luta mais abrangente, que tem foco na autonomia para jovens negros e periféricos Lgbtqi+, e para que estes protagonistas possam ser responsáveis por seus próprios destinos e possam ter as subjetividades resguardadas e não determinadas pelo sistema. 

Esta foi a primeira vez que a cia esteve em Paris. Antes eles fizeram sua primeira turnê internacional, que começou por Londres, onde se apresentaram, inclusive, no Battersea Art Center – BAC, e quando chegaram em Pantin, a situação da pandemia já tinha se consolidado na Europa. O medo social estava mais evidente e era possível sentir que o caos já se instaurava. Ainda assim, houve tempo de realizar três apresentações no calendário do Festival Panorama, entre nos dias 5, 6, 7, de março, no Centre de La Danse. Para a diretora Martha Kiss Perrone, a passagem no Festival Panorama 2020, atribuiu novos significados aos integrantes do grupo, e para ela mesma, que já viveu um período em Paris. “Apresentamos dias antes de Paris fechar completamente. Existia muito presente o medo do Covid, mas de certa maneira não imaginávamos a que ponto chegaríamos. Acho que vivemos o último momento de ousadia de estar juntos, é um espetáculo onde o público não está separado, e a gente não sentiu uma resistência, pelo contrário. Acho que inconscientemente era uma maneira de estarmos radicalmente juntos, o último dia foi ainda mais forte, de extrema aproximação, como uma etapa de um último momento que estamos vivendo e que em breve chegaria ao isolamento total”, ressalta Martha.  

Um dos pontos mais altos da intensa semana que o grupo viveu em Paris foi a execução de uma cena nova, criada especialmente para o Festival Panorama 2020. “Trouxemos um grito de luta das ruas de Paris, que já existe há tempos, inclusive ficou forte no movimento dos coletes-amarelos, e também nas greves, que é “Tout le monde déteste la police (todo mundo odeia a polícia). Criamos uma música, grito-canto, produzida pelo Dj Akinn , da ColetivA Ocupação. A partir desta música, fizemos uma coreografia que foi abraçada pelo público. Eles nos surpreenderam, dançaram e pularam junto com a gente. Conseguimos recriar uma atmosfera que investigamos muito na cia., que é a rebelião como uma forma também de festa e de potência de alegria. Assim, o próprio público estava puxando gritos de manifestações. Ao final fomos embora e o público manteve a peça viva, inclusive voltaram e ocuparam nosso espaço cênico. Isso para nós foi uma experiência bastante explícita de aliança”, relembra a diretora Martha Kiss, que ressalta que as apresentações em Paris foram fundamentais para a continuação do grupo e para atravessar esse momento trágico com força. “Nos apresentamos durante três dias para um público de mais de 250 pessoas, diariamente. O acolhimento do público e do Centre National de la Danse nos deu uma chama de força para continuar a acreditar que esse teatro vai voltar. Nunca mais pudemos nos encontrar fisicamente, nossos encontros seguem online e nossa memória permanece nos dias de apresentação do Festival Panorama 2020. Precisamos nos inspirar neste festival que conseguiu abrir novas frentes. Seguimos resistindo, agradecemos muito a possibilidade que tivemos, vamos atravessar as tempestades de outras maneiras”, concluiu a diretora. 

Teaser pós apresentação

O grupo ColetivA Ocupação ganhou de presente um vídeo teaser/memória realizado após o espetáculo em Paris, no Panorama 2020. O vídeo foi realizado pelo artista visual F. Marcen Camejo.

https://vimeo.com/439159715