Dentro da programação do Festival Panorama 2020 em Paris, evento abordou temas como educação, tecnologia e pensamento descolonizado
O Festival Panorama é também conhecido por fomentar debates importantes durante a programação. Nesta edição em Pantin, a mesa mediada pela diretora Nayse Lopez, contou com a presença do público e de artistas convidados. Inspirada num trecho de uma canção do compositor Marcos Valle, “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”, foi um debate com destaque de peso no festival, pois gerou e materializou espaço para os jovens periféricos discutirem suas perspectivas artísticas sem julgo ou hierarquias. “A ideia foi abordar as questões do corpo através dos primas da educação, da tecnologia, do pensamento descolonizado, da censura ou informação nas democracias de hoje”, complementa Nayse.
Para trazer um pouco do clima que rolou durante o debate entrevistamos três jovens artistas que participaram, todos com menos de 30 anos, Matheus Maciel, Alvim Junior e Mel Oliveira, todos convidados pelo festival e integrantes da cia ColetivA Ocupação, que se apresentara para o público três vezes no Centre National De La Danse, o Quando Quebra Queima espetáculo que é fruto das manifestações durante o movimento secundarista e das ocupações de escolas públicas em São Paulo em 2015/2016, a pesquisa traz consigo a essência da luta corpo a corpo.
FP: Como foi participar da mesa “Não confie em ninguém com mais de 30 anos” em Paris?
MACIEL: Só o ato de estar em Paris era um pouco (talvez bastante) surreal para nós, falando sobre e fazendo nosso trabalho então… A gente estava com os meninos do Original Bomber Crew na mesa, eles têm um trabalho muito foda, e essa troca de ideias, de papo com gente jovem é o que a gente precisa. Eles são do Piauí, nós somos de São Paulo, vivemos realidades completamente diferentes, mas existem múltiplas conexões entre nós, e era naquela mesa que a gente conseguiu perceber (de novo, e de novo) que os artistas jovens, com menos de 30 anos, precisam ser ouvidos. É sobre isso que a mesa se tratava, ouvir e ver a realidade de jovens criadores ao redor do mundo (contada por nós, da nossa maneira, com as nossas palavras), precisamos dessa troca de informações e conhecimentos. Todos nós temos algo a dizer.
FP: Foi a primeira vez que você participou de um debate fora do Brasil?
MACIEL: Não, já havíamos participado de outros debates antes, na Inglaterra, tivemos conversas não somente sobre o nosso trabalho, mas temas outros, como a acessibilidade de jovens a produção e criação de obras artísticas.
FP: Que temas foram abordados durante a mesa de debate “Não confie em ninguém com mais de trinta anos”?
MACIEL: A relação entre jovens e adultos. Com a chegada da era da informática, passamos a avançar rapidamente em questões de informação. Hoje, um jovem de 14 ou 15 anos pode acessar toda e quase qualquer informação que esteja na internet. Isto há trinta anos era possível apenas se você fosse a uma biblioteca específica e tivesse lá um livro específico para o que você procurava. Toda essa informação disponível acelera a sociedade, fazendo com que o conflito geracional surja. Onde antes o conflito de gerações se dava numa diferença de idade maior, de 30 ou 40 anos, agora temos essa diferença reduzida a 15, ou até 10 anos.
FP: Como os temas debatidos nessa mesa influenciam ou interagem com o seu cotidiano de trabalho?
ALVIM: Temos entre 18 e 20 anos, estávamos longe de casa, ultrapassando as linhas imaginárias, que sempre estiveram nos nossos livros de geografia e que também espelham nossos sonhos infantis, até chegar em Pantin. Durante nosso processo estávamos rodeados de pessoas com mais de 30 anos, nos auxiliando, nos ajudando, nos fomentando, caminhando conosco. O debate veio de encontro com nossos processos aos territórios de onde saímos e para onde fomos, pela relação a qual as nossas corpAs se movimentavam nos lugares que viajávamos para apresentar ou fazer oficinas. Tínhamos recentemente feito oficinas com pessoas que estavam na faixa dos 27 entre 30 anos, nossos trabalhos antes de pegar voo para a França, eram em instituições ou em festivais as quais os profissionais de cada área tinham também mais que 30 anos e um tempo maior profissionalmente considerado ao nosso. Porém, havia correlação com as nossas oficinas, estávamos caminhando junto com a ideia do teatro dançante, espalhafatoso, resistente contra moral estabelecida pelas elites políticas e conservadoras do nosso país. Já com alguns destes profissionais das instituições, haviam cobranças irrelevantes e joguinhos de gente adulta como por exemplo: “Você tem DRT?”, “Vocês sabem o que estão fazendo?”, que nada adiantava e nos ajudava construtivamente. Viajar e apresentar por duas semanas no Battersea Arts Centre, em Londres e logo em seguida uma semana em Pantin – Paris, discutindo com grupos e coletivos jovens, que revolucionaram e revolucionam às áreas do teatro, da poesia, das artes visuais, da dança, da música em cada lugar diferente, mostraram que realmente estamos seguindo os caminhos certos e que não precisamos ouvir frases como, “Respeitem os mais velhos, nós sabemos de tudo!”, “Temos mais experiências, vivemos mais!”, pois, respeito é diferente do que impor algo é estabelecer as regras, tempo de vida e experiências não dizem nada sobre decisões sobre a vida dos outros. Discutimos com jovens de uma escola de dança e com um grupo de teatro brasileiro que sim, trouxe conversas equilibradas e super em consenso com o nosso modo de pensar e agir, isso no Centre National de La Danse, algo que foi essencial para continuarmos entendendo as situações e diferenças que envolvem educação, cultura e a arte multifacetada em territórios diferentes. É importante saber que os tempos mudaram e as coisas estão diferentes, nossas corpAs querem e precisam de espaço tanto de fala quanto de território!
FP: Qual a importância de debater a dança num momento político como este?
ALVIM: A dança é algo que envolve várias partes do nosso corpo, e uma delas é a nossa costela, todos aqueles ossos que envolvem nossos órgãos e estimulam uma consciência por completo que se acostuma aos modos de vida e adaptações por onde passamos. Como se não somente estivéssemos progredindo corporalmente, mas territorialmente também. O teatro em si ganha vida com toda a interpretação e movimento, quando se mistura teatro/dança, dança/teatro, potencializa e deforma as prescrições do que realmente é dança para muitos, a nossa dança é um experimento, são caminhos para a descoberta, a nossa dança passa entre ir para a escola num dia calmo ou ir para a escola num dia tenso, qual o movimento do nosso corpo quando estamos com pressa, quando estamos desligados do tempo, quando caímos e levantamos, as revoluções são assim, os dias são assim, como a dança, a dança é um morro sinuoso, onde se desce e sobe, onde se deita e rola. Naquele momento e antes mesmo de tudo aquilo acontecer, já tínhamos travado batalhas e continuado outras, se para os que nos apontam o dedo dizendo que nossa arte é vulgar, pretensiosa, subversiva e agressiva, podem acreditar, que para os muitos que nos viram, os coletivos e grupos que junto conosco mostraram formas de resistência com a dança. Assim como diremos sempre ao fascismo, aos racistas, homofóbicos, transfóbicos, machistas e todos preconceituosos: “Não descansem, por que a nossa dança, nossas artes, nossas culturas vão continuar atormentando as suas próprias certezas, sobre o que realmente é subversivo e juventude, saibam que subversivo é a morte que vocês prezam em nos sentenciar, a nossa dança passa entre todos os caminhos desse universo como escudo, derrubando suas armas”.
FP: O que você diria para alguém com menos de 30 anos, que está começando a se interessar em dançar, atuar ou criar profissionalmente?
MEL: Acho que a primeira coisa é querer, desejar e se dedicar, nem que seja um pouquinho; nem sempre nós temos tempo, na maioria das vezes o que falta é dinheiro, tempo e alguém que acredite no nosso trabalho, mas o que possamos fazer sem ter o desejo? É utópico dizer que será fácil, não podemos romantizar, especialmente dentro do Brasil, que está cada vez menos se importando com a arte e o fazer artístico (e será que um dia sequer se importou?) e, infelizmente não é só aqui; mas ser artista é foda, é fomentar ideias, é em muitas situações ser representativo, é levar aquilo que você acredita pra quem precisa ouvir. Trabalhar com aquelas de pensamento e vontade semelhante ajuda, torna esse enfrentamento menos doloroso, e deixa tudo mais dedo no c* e gritaria. E no fim das contas é bom, há um sentimento de realização, de pertencimento e felicidade, quase como um dever cumprido. Não tenha medo de ‘fracassar’, não desista, seja quem você é, e quem você quer ser.
ALVIM: Continuem, apesar dos pesares e de toda a caminhada, é lindo se entregar a dança, ao teatro, as artes visuais e plásticas e a qualquer forma artística, que possam levar para as outras pessoas culturas e histórias diferentes, com bastante diversidade. Encontre dentro de si e de sua história, no território em que se vive. Vendo tudo ao seu redor e atento a todas as belezas do mundo, como o barulho de tambores e atabaques, da chuva e dos ventos, dos congestionamentos e dos pássaros, do movimento que a fumaça do incenso percorre e como uma bolinha de papel queima, quando está aberta ou amassada. O corpo exige calma e atenção, precisa de tempo, precisa ser escutado por nós mesmos. Este é um caminho sem fim, por que a dança nos move, ela é como tudo no mundo em movimento, de produções a criações nas periferias, nos quilombos, nas tribos e aldeia, nos ritmos e cantos. Quando estamos conversando, dançamos. Quando estamos cozinhando, dançamos. Quando tomamos banho, dançamos. A dança da vida é a do dia a dia, é trabalho de corpo e do ser. A dança veio de encontro a ColetivA Ocupação para que nós pudéssemos ter imagem e movimento para mostrar que sim, vive-se de dança, dança-se de vida, subverter as estruturas mais conservadoras e antigas, e recolhe o que mais é preciso dizer: “Não desista da dança, não desista do teatro, da cultura e saiba, cultura não é somente o que gostamos, é o mundo é e o mundo somos nós, o nosso movimento. Evoé a todos que se movimentavam!
Para conhecer mais sobre o trabalho da cia Coletiva Ocupação visite o site www.coletivaocupacao.com.