Humor britânico, dois homens sentados e acidez sutil: Both Sitting Duet e Body not fit for purpose no Festival Panorama 2015

 

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Juliana De Souza

 

Dois homens sentados em duas cadeiras, fazendo leituras de partituras com os seus corpos. Corpos disciplinados, sentados, contidos, domesticados e mesmo assim se movimentando e se comunicando. Interpretação livre, porém sincronizada no ritmo de ambos.

 

Silêncio, gesto, corpo. Ritmo, mas também monotonia.

 

Como chefes de orquestra eles tocam o(s) corpo(s) e rompem com a Tradição.

 

É interessante ver como essa ruptura se dá internamente, como uma implosão da composição clássica. O duo se apropria da Tradição, passa pela ruptura para chegar a uma autonomia artística de criação, que pode se chamar liberdade de composição gestual.

 

Jonathan Burrows, coreógrafo, dançou no Royal Ballet por 13 anos e Matteo Fargion, músico, estudou composição. Ambos vieram do que chamamos de Tradição para só então chegar neste território da desconstrução. O rigor intelectual da composição é materializado pelas partituras em que eles se apoiam e a música como método toma o papel central nos dois espetáculos apresentados.

 

No segundo espetáculo do duo para o Festival Panorama 2015, passamos para a música experimental servida na mesa, com cadeiras e dança dançada com as mãos. O caderno de partituras que simboliza a Tradição está ainda presente. Assim como o humor, que surge do estranhamento do público e dá permissão para que a performance aconteça.

 

Temas políticos e irônicos são tratados com sutileza, tocados e dançados. A dança que fala sobre temas delicados; a micro-dança minimalista em micro-movimentos. Trabalho de tradução da intenção conceitual de tratar de fragmentos sonoros e gestuais do cotidiano mundial como, os problemas do capitalismo figurado nos banqueiros e políticos, fronteiras migratórias, colonização etc

 

O corpo e sua fisicalidade se colocam em cena para escrever em dança os repetidos gestos maquinais da vida moderna cotidiana, fazendo assim, crítica ao corpo que trabalha, que vive, que sofre e que repete gestos.

 

Os dois espetáculos apresentados colocam o corpo de maneira comportada, domesticado, mas também coloca um corpo crítico e atento que incorporou a Tradição e que está pronto para romper com ela. É este o tom que faz do trabalho de Burrows e Fargion um trabalho de engajamento político e estético.

 

 

Juliana De Souza é Licenciada e Mestre em Filosofia, ex-professora universitária, produtora artística e curiosa. Ela quer compreender a experiência que se situa no espaço existente entre a obra e o espectador. Interessa-se pela liberação de corpos presos aos códigos estéticos e sociais pela apropriação e mixagem de conceitos. Desde 2003 desenvolve pesquisas em filosofia contemporânea, estética e teoria crítica.

 

 

Texto produzido no LabCrítica no Festival Panorama 2015.

 

 

Foto: Both Sitting Duet | Body Not Fit For Purpose, de Jonathan Burrows e Matteo Fargion (C) CLAP

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